[1176, Abril — 1179, Fevereiro]
Testamento ou manda pelo qual Dom Afonso Henriques distribui várias somas e outros bens móveis, indicando o seu destino.
Em nome da Santa e Indivídua Trindade, Pai e Filho e Espírito Santo. Amém.
Eu Afonso, por vontade de Deus Rei de Portugal, neto do grande imperador Afonso e filho do Conde Dom Henrique e da Rainha Dona Teresa, reflectindo em meu espírito comigo próprio e tomando consciência de quão grandes benefícios me concedeu o Senhor desde a minha infância; de como me entregou o Reino e, além disso, muito mais o dilatou; e de como sempre me ajudou em face dos meus adversários e inimigos da Cristandade e da verdadeira Fé; e não menos pensando também na minha morte e no dia do particular juízo em que a cada um se retribuirá de acordo com o que praticou nesta vida, quer de bem quer de mal, aprouve-me assumir uma parte dos meus haveres e oferecê-los pela minha alma.
Atendendo àquilo que o Senhor diz no Evangelho - «Em verdade vos digo que quanto fizestes a um dos meus mais pequeninos a mim o fizestes»; e a outra passagem - «Granjeai amigos com as riquezas da iniquidade»; e ainda a Salomão: - «Dai esmola e eis que tudo em vós fica limpo»; e a outro lugar -«Filho, se possuis algo, beneficia-te a ti mesmo oferecendo boas oblações a Deus, porque toda a obra eleita será justificada e quem assim procede será justificado nela:
Pois tudo isto eu acima citado Rei Afonso, após diligente consideração, adverti que é justo e muito necessário a cada um, com discernimento, enquanto está nesta vida, dispor de tudo o que lhe pertence, em ordem à remissão dos seus pecados, quando achar oportuno e do que assim achar, a fim de o receber centuplicadamente do Senhor, no futuro.
Mando então, depois do meu óbito, distribuir entre os cativos dez mil maravedis; ao Mestre Gonçalo Viegas e seus irmãos, que demoram em Évora, três mil maravedis e quaisquer animais que possuir, e quantos mouros de Santarém eu aí tiver e os que tiver em Lisboa; à obra da igreja de Lisboa mil maravedis; à obra da igreja de Alcobaça mil maravedis; às viúvas pobres e órfãos 772 maravedis e 2 575 mozmodis ; ao Mosteiro de Santa Cruz, onde mando o meu corpo seja sepultado, 8 000 mozmodis que aí tenho depositados, a fim de, se necessário for para minha sustentação, os gastar, porque que não os gaste ou apenas parcialmente, tudo o que restar seja para o Mosteiro de bem justamente os consegui por misericórdia de Deus. Se, porém, acontecer Santa Cruz, a quem confio o meu mouro ourives e o meu mouro carpinteiro e o mouro alfaiate. E as minhas mouras que tenho em Coimbra confio-as à minha filha Urraca Afonso.
Transcrição por Prof. Doutor Amadeu Torres