Foral de Guimarães: O primeiro foral português
O primeiro foral português, cuja data não ficou exarada no documento, foi outorgado pelo conde D. Henrique a Guimarães. De acordo com António Matos Reis este foral precede o de Constantim, datado de 1096, daí dever-se colocar esta como sendo a sua data, não podendo ser anterior a esse ano, pois foi por esta altura que o Conde D. Henrique tomou a seu cargo os destinos do condado Portucalense.
Este foral reveste-se de extrema importância para o crescimento do burgo vimaranense, no seu texto estão bem patentes as preocupações manifestadas pelo conde D. Henrique e por D. Teresa com o povoamento e desenvolvimento das actividades mercantis.
Em 27 de Abril de 1128, D. Afonso Henriques, além de confirmar o foral henriquino, concede novos direitos aos vimaranenses como forma de agradecer o apoio recebido por estes durante o cerco ao castelo comandados por Afonso VII, bem como, para garantir a continuação desse mesmo auxílio, na nova campanha que se avizinhava.
Novos privilégios às gentes que viessem habitar Guimarães:- Isenção do pagamento de portagem em todos os lugares do reino.
- Isenção de fossadeira e isenção de impostos nos bens e propriedades dos cavaleiros-vilãos dos vassalos de infanções e de qualquer homem livre.
- Concessão do estatuto de ingénuo aos juniores.
- Direito de asilo ao homicida ou violador, que viesse habitar no burgo, desde que não cometesse novo rousso (violação).
- Isenção de fossadeira e protecção aos bens dos burgueses ou moradores (onde quer que eles se encontrassem), que estiveram ao seu lado no cerco ao castelo.
D. Afonso II confirma, possivelmente entre Agosto e Outubro de 1217, os anteriores forais.
Saliente-se que não existe o original nem do foral do conde D. Henrique nem do de D. Afonso Henriques, simplesmente as versões copiadas para serem confirmadas por Afonso II. Este documento é composto por três cartas autónomas, sendo apenas original a terceira, emanada da chancelaria de D. Afonso II.
Tradução
Foral outorgado pelo conde D. Henrique
"Em nome de Deus. Eu, conde D. Henrique, juntamente com minha esposa, infanta D. Teresa: Aprouve-nos, por boa paz e boa vontade, que façamos carta de bons foros a vós, homens que viestes povoar Guimarães, e àqueles que aí quiserem habitar até ao fim (do mundo). Em primeiro, de cada uma das vossas casas dareis 12 dinheiros, desde a festa de Santo André até à festa de Santo André do ano seguinte. E das vossas bancas onde vendeis carne, 12 dinheiros. De vender cavalo e égua, 12 dinheiros. De asno, 6 dinheiros. De trouxel que vier em cavalo ou em égua, 12 dinheiros. De trouxel de asno,6 dinheiros. De peão, 3 dinheiros. De pele de coelho, 3 dinheiros. De manto, 2 dinheiros. De capa, 2 dinheiros. De saia, 1 dinheiro. De boi ou de vaca, 2 dinheiros. De cabra ou de ovelha, 1 dinheiro. De porco ou de porca, 1 dinheiro. De bragal, 1 dinheiro. De coiro de boi ou de vaca, 1 dinheiro. De nenhuma coisa que se vender por menos de 12 dinheiros cobrem portagem. E quem bater com punho fechado dê 12 dinheiros. À bofetada, 5 soldos. Por derrame de sangue, 7 soldos e meio. De puxar de arma por ira, fora de casa, 60 soldos. Por ferida que faça cair, 7 soldos e meio. No vosso gado que for pastar fora ninguém ponha a mão por má vontade, senão por sentença judicial. A não ser o devedor ou fiador, nenhum homem de Guimarães em toda a nossa terra seja penhorado; e quem o penhorar pagar-nos-á quinhentos soldos e dará em dobro o que tiver penhorado, ao respectivo dono. E quem vender ou comprar algum haver em Guimarães perante o concelho o possua livremente e ninguém tenha depois a ousadia de lho requerer por mal,. mas dê a sua portagem, conforme está escrito. Nenhum cavaleiro tenha pousada em Guimarães a não ser por amor do seu senhor. E nenhum saião ouse entrar na casa de burguês por má vontade, mas, se tiver de lá ir por direito, peça um fiador que lhe dê a garantia de 5 soldos, e o burguês que cometer uma infracção apresente ao saião um fiador, em 5 soldos, que lhe dê garantia ante o juiz posto pelo concelho, e o juiz julgue o recto juizo entre o saião e o burguês que cometeu a infracção. E se, contra esta sentença, o saião entrar na casa do burguês por mal, e aí for morto, não se pague nada por isto. E se (o burguês) for morto por esta ocasião, (o saião) pague 300 soldos. E os homens de Guimarães vão em apelido tão longe que num dia possam ir e voltar. E se dois homens ou mais tiverem uma rixa e se agredirem a punho, à bofetada ou à paulada, ou puxarem pelos cabelos, o saião não cobre disso nenhuma coima a não ser se um deles clamar; se não clamarem, o saião não requeira nenhuma coima. E aqueles que estes foros desrespeitarem sejam malditos de Deus e excomungados e condenados com Judas traidor e com o diabo e os seus anjos no inferno, pelos séculos dos séculos, amen.Eu conde D. Henrique e a minha esposa infanta D. Teresa firmamos esta carta com as nossas mãos.
Mendo presbítero notou."
Confirmação e ampliação por D. Afonso Henriques
"Em nome de Deus. Eu infante D. Afonso Henriques: Aprouve-me, por boa paz e boa vontade, fazer [bons foros] a vós, homens de Guimarães, porque me destes honra e apoio e me prestastes bom e fiel serviço. E eu quero dar-vos honra e apoio, a vós e aos vossos filhos e a toda a vossa descendência. Autorizo o foro que vos deu meu pai e minha mãe e, além disso, dou-vos por foros que: em toda a minha terra não pagueis portagem; e o cavaleiro ou o vassalo de infanção ou qualquer homem que for ingénuo (i.e. livre) e vier morar em Guimarães, e aí fizer a sua casa, não dê fossadeira e a sua herdade e o seu haver seja livre e salvo; e o júnior (i.e., o servo) seja livre e salvo com o seu haver, se aí vier habitar, e, se quiser ter a sua herdade, sirva por ela ao senhor da terra onde está; e o homicida e o violador que vier habitar em Guimarães, nada pague por este delito, mas em Guimarães não seja tão ousado que cometa rouso (violação) na vila; e quantos em Guimarães vierem habitar tenham sempre estes foros, como os primeiros que para aí vieram; e os burgueses que comigo suportaram o mal e o sacrifício em Guimarães nunca dêem fossadeira das suas herdades e o seu haver onde quer que seja esteja a salvo e quem o tomar por mal pague-me 60 soldos e dê, além disso, o haver em dobro ao seu dono. E quem desrespeitar este juízo e este foro que dei a vós, homens de Guimarães, seja maldito de Deus e excomungado e tenha sobre si a maldição, como a invocou o meu pai. Esta carta foi escrita a 5 das calendas de Maio (27 de Abril), reinando D. Afonso em Leão.Eu Afonso Henriques firmei esta carta com a minha mão.
Era de MCLXXVI (= Ano de 1128)"
Confirmação por D. Afonso II
"Eu Afonso, por graça de Deus, rei de Portugal, juntamente com a minha esposa, rainha D. Urraca, e meus filhos, infante D. Sancho e D. Afonso e D. Leonor, concedo e confirmo, a vós, moradores de Guimarães, as cartas e os foros que vos deram os meus avós conde D. Henrique e rei D. Afonso. E para que isto tenha toda a força, mandei fazer esta minha carta e munila com o meu selo de chumbo. Nós acima nomeados, que mandámos fazer esta carta, perante os subscritos a firmámos e nela fizemos estes sinais \–|–|–|–|–|–\(Sinal rodado)
Rei D. Afonso, Rainha D. Urraca, Infante D. Afonso, Infante D. Sancho, Infanta D. Leonor.
Estiveram presentes: D. Martinho Joanes signífer do senhor Rei conf., D. Pedro Joanes mordomo da Cúria conf., D. Lourenço Soares conf., D. Gomes Suares conf., D. Gil Vasques conf., D. Fernando Fernandes conf., D. João Fernandes conf., D. Rodrigo Mendes conf., D. Poncio Afonso conf., D. Lopo Afonso conf."
Transcrição extraída do seguinte artigo:
REIS, António Matos - O foral de Guimarães: primeiro foral português: o contributo dos burgueses na fundação de Portugal. Revista de Guimarães. Guimarães: Sociedade Martins Sarmento. nº 106 (1996). p. 55-77.
Bibliografia:
MARQUES, José - O foral de Guimarães: apresentação. Revista de Guimarães. Guimarães: Sociedade Martins Sarmento. nº 106 (1996). p. 42-52.
REIS, António Matos - O foral de Guimarães: primeiro foral português: o contributo dos burgueses na fundação de Portugal. Revista de Guimarães. Guimarães: Sociedade Martins Sarmento. nº 106 (1996). p. 55-77.